SOBRE A “HUMANIZAÇÃO DO DINHEIRO”

Princípios básicos de uma Economia em Harmonia com as Leis da Vida

Charly Rainer Ehrenpreis, 2010

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1. A Situação Global

Hoje, toda a humanidade vive num sistema de capitalismo global, baseado predominantemente na maximização do lucro por intermédio da exploração de uma grande parte da humanidade e da natureza. Este sistema preocupa-se apenas com formas de obter o maior lucro possível nas circunstâncias actuais, da forma mais rapidamente possível, independentemente do custo que isso representar para a vida neste planeta.

O mais tardar desde a Primeira Guerra Mundial, esta motivação conduziu exponencialmente o ser humano à criação de uma colossal sociedade de guerra, utilizando a função do dinheiro. A guerra é utilizada para manter o sistema económico capitalista. Mais do que isso: o sistema precisa de guerra para conseguir funcionar – a guerra entre pessoas, com o apoio de uma gigante indústria de armamento, e guerra o ser humano e a natureza, apoiada por uma indústria química e tecnológica igualmente gigantesca. Todas as economias actuais dependem das indústrias modernas de produção de armas e da reconstrução do pós-guerra. Desde a globalização do mercado financeiro, todos os membros da sociedade baseada no dinheiro fazem parte deste sistema.

Edward Goldsmith, editor de “The Case Against the Global Economy” [“O Caso Contra a Economia Global”], descreve, de forma impressionante, a situação actual da humanidade no capítulo: “O Desenvolvimento enquanto Colonialismo”.

Segue-se um pequeno resumo da sua análise:

Em 1995, quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi fundada no Círculo do Uruguai, para se tornar o instrumento mais importante de globalização, foi passada a mensagem de que a globalização seria a melhor coisa que poderia acontecer em benefício de todas as criaturas da Terra. Muitos acreditaram, pois o raciocínio fazia sentido e a globalização “pairava no ar” (i.e. como uma consequência da internet), era o próximo passo lógico no desenvolvimento da humanidade. Contudo, é um facto que o fosso entre ricos e pobres tem aumentado continuamente desde então, a poluição ambiental piorou, e a criminalidade, desemprego, desnutrição, falta de habitação e doenças continuam a aumentar.

Isto deve-se, sobretudo, ao facto de a maior parte das economias locais ter falido sob a pressão da globalização. Quase nenhuma das anteriores economias de subsistência pode sobreviver sob a pressão competitiva das multinacionais; nenhum “país em desenvolvimento” pode, de facto, desenvolver-se sob as condições do FMI ou do Banco Mundial.

Com o crescente desaparecimento da autonomia local, a coesão social das sociedades tribais (entre os indígenas) e das entidades comunitárias do mundo ocidental desapareceu também. As suas funções tradicionais deixaram de existir, dando origem a graves problemas, como a falta de cuidados para com os idosos ou doentes, o aumento da criminalidade, etc. A globalização tem também uma resposta para este problema: a privatização de todas as funções sociais que tinham até aqui estado ao cargo de entidades comunitárias. Dado que estes serviços têm agora que ser pagos, o custo de vida aumentou para a generalidade das pessoas, à excepção de umas poucas pessoas ricas que lucram com este sistema. Simultaneamente, inicia-se uma espécie de atomização da sociedade; ou seja, uma total privatização e isolamento do indivíduo.

Há poucas centenas de anos, as funções sociais eram ainda desempenhadas por famílias numerosas, comunidades ou aldeias. Dentro destas entidades comunitárias, as pessoas supriam as suas necessidades básicas: alimentos, roupas, criação dos filhos, o cuidado dos velhos e doentes, e ordem social (incluindo jurisdição).  Este “sistema económico social” funcionava quase completamente sem dinheiro! Baseava-se no “capital social” das comunidades e entidades comunitárias.

A globalização transformou todas as actividades sociais em bens de consumo; foram privatizadas, i.e. colocadas nas mãos de multinacionais para serem comercializadas e negociadas globalmente. Este processo, contudo, isola estas actividades do seu contexto social natural; a actividade social divorciou-se da sua alma humana que a sustinha. A globalização faz, com os laços sociais, o mesmo que faz com os laços ecológicos, nos ciclos naturais e biótopos. Ecossistemas altamente complexos são destruídos a um ritmo crescente em favor de uma monocultura menos complexa, agricultura industrializada e mega-barragens, com resultados bem visíveis, como o efeito de estufa e as alterações climáticas.

Numa frase: a globalização substitui os serviços sociais das entidades locais por uma economia monetária global, e a função natural da biosfera por tecnologias que não estão em harmonia com a natureza.

Este processo baseia-se também na crescente dissolução das entidades comunitárias locais (famílias grandes, comunidades tribais, aldeias) rumo a uma forma mutilada de família nuclear. Por estas já não serem unidades sociais e económicas autónomas, os seres humanos foram fundamentalmente desenraizados do seu sentido de vida. Também o termo “democracia” é mutilado quando entidades sociais originais deixam de existir. Nos mega sistemas contemporâneos em que vivemos, o indivíduo dificilmente tem a possibilidade de determinar a sua vida. Mais que isso, actualmente as decisões políticas em efeito já não são tomadas por estados individuais. Esta prática foi descartada com a instalação da OMC, acordos comerciais internacionais, etc… em favorecimento de um “governo mundial de-facto” (OMC, cimeiras G-8, Davos, etc.) que tomam decisões para lá da legitimação parlamentar ou democrática, e às quais o público dificilmente tem acesso. Desta forma, torna-se cada vez menos transparente a pressão que as multinacionais exercem sobre os políticos que tomam decisões, escondendo que são elas – e apenas elas – as grandes beneficiadas com a globalização.

Consequentemente, a democracia real baseia-se, sobretudo, na reintrodução da autonomia económica local. Isto inclui enraizar as pessoas no sítio onde vivem, a produção dos seus alimentos, vestuário e habitação. Implica também reintegrar os seres humanos nos sistemas ecológicos naturais em que habitam e na administração autónoma dos seus recursos (terra, água, ar, animais, plantas, etc.). “Apenas se e quando toda uma comunidade for saudável, podem também os seus membros manter de forma sustentável a sua saúde física e mental” (Wendell Berry). Apenas desta forma será também possível deixar o ambiente ser o que é de forma sustentável: esta é a base elementar da vida que nos mantém vivos. Os sistemas económicos locais podem tomar muito mais responsabilidade na administração da energia e recursos de forma abrangente e sustentável. Adicionalmente, o cuidado com os mais necessitados (idosos e doentes) pode ser reintegrado em sistemas sociais locais.

Muitas pessoas terão que aprender de novo como sobreviver fora da economia globalizada. Entidades comunitárias autónomas terão de emergir, responsabilizando-se de novo por suprir as suas necessidades. Essas entidades comunitárias não “andarão para trás”, elas farão uso das recentes invenções naturais, tais como a produção descentralizada de energia, conhecimentos sobre ecologia moderna, construção em harmonia com a natureza, medicina alternativa, etc.

Este movimento anti-globalização amplificado, este “partido de comunidades”, terá, a princípio, poucos recursos financeiros e poder, mas, no decorrer do tempo, o número dos seus membros aumentará de acordo com a necessidade. “Se tal partido chegasse ao poder, poderia desenvolver e materializar uma estratégia coordenada para uma transição menos dolorosa rumo a um tipo de sociedade e economia que possa oferecer às nossas crianças um futuro neste planeta ameaçado” (Wendell Berry).

2. Ideias Básicas Sobre uma Economia em Harmonia com as Leis da Vida:

O que é necessário para uma nova economia são entidades comunitárias auto-suficientes, a que chamamos “Biótopos de Cura”. Nestes reservatórios, as pessoas reaprendem a tornar-se conscientes da sua essência e origem cósmica, a conhecer os recursos naturais da sua vida mais profundamente, e a proteger, honrar e consolidar-se de forma sustentável. Tais lugares precisam de uma percepção completamente nova da vida económica.

A nova cultura da paz, que irá desenvolver-se da cooperação entre estes Centros de Investigação para a Paz, dará um significado completamente novo ao dinheiro. Como serão encontrados os modelos para esta nova economia?

Existe uma economia da natureza, e esta economia desenvolveu-se durante milhões de anos no decorrer da evolução: Não seria recomendável tomarmos como exemplo este tipo de economia e aplicá-lo ao desenvolvimento de uma economia para a humanidade? Quais são os princípios básicos da natureza? Como organizam os seres vivos a sua coabitação naturalmente e em cooperação com o seu entorno, de forma a construírem biótopos pequenos mas estáveis, e ciclos de maiores dimensões?

Alguns deste principios básicos são:

  1. Construir sistemas com a máxima complexidade, de forma a alcançar uma máxima estabilidade.
  2. Interligar ou combinar estes sistemas para alcançarem sempre níveis de ordem mais elevados, por intermédio da sua crescente complexidade.
  3. Reconhecer que todos os sistemas da natureza são sistemas que estão abertos relativamente ao todo – não são sistemas fechados.
  4. Existência de um alto nível de descentralização e partilha de tarefas.
  5. Simbiose: apoio mútuo por intermédio de trocas de “resíduos” que são nutritivos para outros; um belo e simples exemplo disto é o ar que respiramos, as plantas “exalam” oxigénio e “inalam” dióxido de carbono; as pessoas e os animais fazem exactamente o contrário. Eles precisam do oxigénio que as plantas exalam, exalando em troca o dióxido de carbono que as plantas precisam. Esta é uma forma simples de apoio simbiótico global.
  6. Não existe equivalência entre dar e receber, mas sim a construção da maior quantidade possível de energia, informação e ciclos materiais, para a melhor sustentação possível de todos os participantes.
  7. Ajustamento do ser vivo às condições ambientais específicas (flexibilidade).

Sem estes princípios da evolução não teria sido possível, de forma alguma, o desenvolvimento constante da vida na Terra. A própria ecologia que evoluiu deste processo de interacção entre os seres vivos desenvolveu certos princípios básicos de economia e estrutura:

  1. A construção de sistemas auto-sustentáveis ou biótopos (autonomia ou auto-suficiência).
  2. O desenvolvimento de redes de interacção cada vez maiores, para a construção de uma atmosfera comunitária, como condição para todos os seres vivos.
  3. Uma forma de trabalhar descentralizada, baseada na divisão do trabalho, pela qual os seus membros se apoiam mutuamente através das suas qualidades individuais específicas (simbiose).
  4. Uma completa inexistência de desperdício. A natureza não conhece “desperdício”.
  5. Todos os participantes dão automaticamente tudo o que têm para dar: “a troca” não equilibra o que um participante dá e o que eles recebem do todo.
  6. Flexibilidade para se ajustar a novas condições, se, por exemplo, um membro tem qualquer coisa em falta.

Uma nova economia de seres humanos que segue estes princípios é, antes de mais nada, uma economia de partilha. George Bataille desenvolveu uma tal economia quando percebeu que o sol é o órgão que mais dá no nosso ambiente cósmico. Dá-se a si próprio sem restrições, permitindo, dessa forma, o desenvolvimento da vida humana em todo o planeta. Também as criaturas vivas oferecem aquilo que elas próprias não precisam, recebendo em troca tudo o que necessitam para viver. É este princípio básico da partilha que Jesus descreveu com precisão científica: “Olhai as aves do céu: pois elas não semeiam, nem colhem, nem armazenam nos celeiros; no entanto, o Pai celestial alimenta-as.” Este não é um milagre bíblico, mas sim o resultado de milénios de evolução. Só quando os ciclos ecológicos da natureza são destruídos, na medida em que têm sido até agora destruídos pelo ser humano, é que este princípio deixa de se aplicar e funcionar para os seres vivos. Quando os animais morrem de sede ou fome nas zonas dessecadas de África, a culpa não é da evolução mas da acção do ser humano, que decidiu, de forma consciente ou inconsciente, agir contra a natureza.

Primeiramente, a economia da natureza é a partilha incondicional de tudo o que não é necessário para a sobrevivência. E depois, é a criação de sistemas suficientemente complexos e bem pensados de auto-sustentabilidade duradoura. A autonomia é um paradigma que garante a sobrevivência de biótopos.

Da mesma forma, a descentralização e a partilha de funções são características essenciais de um biótopo funcional: cada elemento do biótopo “sabe” exactamente o que tem que fazer, o que tem para dar, o que precisa do todo, e com quem ou com o quê está simbioticamente ligado. Não contabiliza num sentido directo aquilo que dá e o que recebe; aquilo a que chamamos dinheiro não existe na natureza desta forma. No entanto, existe algo como uma “folha de balanço económico consolidado”, um “produto geral bruto da natureza” e ambos são positivos porque até agora o desenvolvimento da vida (a evolução) tem-se movimentado sempre na direção de uma maior complexidade, para a criação de um balanço geral sempre crescente de energia “interna” e de consciência na Terra, como descrito por Teilhard de Chardin.

Uma nova economia da humanidade é baseada na dinâmica da interacção entre centros autónomos. Eventualmente, o dinheiro deixará de ser necessário, nem mesmo como meio de troca ou pagamento, pois não existirá nada que tenha de ser pago. Atingimos o ponto em que a economia da vida na Terra assimila a verdadeira essência do amor. Afinal, aquele que ama não pergunta o que recebe em troca. Onde existe ressonância no amor – e o amor baseia-se sempre em ressonância – recebemos o que procuramos ou que necessitamos, de imediato ou mais tarde. A questão é meramente o nível de abrangência ou dimensão com que cada pessoa é capaz de ver e vivenciar o campo da sua própria capacidade de amar. Observado à distância e com uma perspectiva clara, o amor numa comunidade, tal como num biótopo, acontece sempre num nível de ordem mais elevado; ele quer ser partilhado e transmitido, da mesma maneira que o sol irradia a sua luz e o seu calor.

Os Beatles cantaram “Can’t buy me love” (“Não podes comprar-me amor”) e eu gostaria de acrescentar: “mas ele é-te oferecido quando entendes as regras do jogo.”

Quando reaprendermos a dar e quando nos permitimos receber nas áreas do dinheiro ou do trabalho, iremos reaprendê-lo também na área que parece ser a mais difícil: a área do amor. Dar amor a partir da abundância que existe no coração é a verdadeira riqueza e, certamente, também uma parte da entelequia de todo o ser humano.

3. A Ligação entre o Dinheiro e o Amor

A ligação entre o dinheiro e o amor é muito profunda: as noções sobre economia que criamos são determinadas pela nossa experiência no amor. A economia humana que conhecemos torna os ciclos de dar e receber muito pequenos. Em regra, duas pessoas negoceiam uma com a outra aquilo que consideram ser equivalente; dar e receber tornaram-se no tema privado de um pequeno ciclo mental – tal como no amor. A forma como os seres humanos actuam nas dimensões do amor e do dinheiro são, afinal, as mesmas, pois os nossos hábitos na dimensão do dinheiro são o resultado das nossas experiências na dimensão do amor. A questão decisiva, em ambos os casos, é saber até que ponto ousamos integrar-nos nos ciclos maiores da nossa própria existência universal.

Não somos ainda capazes de imaginar uma economia planetária de partilha, pois acostumámo-nos à desconfiança, calculismo, medo, descrença, etc. A descrença na área do dinheiro advém do facto de traduzirmos tudo o que experienciamos nas dimensões do amor e da confiança para a dimensão do dinheiro. E como a experiência do amor tem sido muito dolorosa, a sociedade contemporânea de capitalismo e guerra acabou por desenvolver-se a partir desta ferida psicológica.

Quando a expansão do amor começou a ser reprimida, o amor deixou de poder crescer. Consequentemente, no âmago do ser humano, desenvolveu-se um pensamento de vingança e destruição contra tudo o que existe. É por isso que o nosso ambiente está tão destruído. Assim que o amor não pôde mais crescer e dar de si próprio, o ser humano começou a rejeitar a natureza e a sua evolução, surgindo assim a ideia de propriedade privada – não apenas relativamente à carteira de cada um, mas também relativamente a todas as dádivas (recursos) do planeta Terra. É isto que experienciamos agora como a globalização da propriedade privada.

Quando o amor deixou de poder crescer, as pessoas começaram a calcular e a pensar: como poderei obter o melhor de tudo para mim próprio agora, como poderei salvaguardar-me? Como posso ajustar a minha felicidade pessoal àquilo que consigo obter para mim próprio? Foi aí que as pessoas se começaram a temer e a dominar umas às outras.

Contudo, assim que o amor puder crescer outra vez, e assim que se comece a desenvolver uma cultura de paz capaz de ajudar a restaurar a nossa confiança original na criação e no amor pelos seres humanos, deixaremos de calcular; dedicar-nos-emos totalmente ao desenvolvimento e desabrochar de outros lugares de confiança neste planeta. Faremos isto em benefício próprio e em benefício daqueles que amamos.

Uma vez assentes na nossa âncora espiritual e amor, a questão da economia dissolve-se por si mesma: porque não deveremos dar tudo gratuitamente a um mundo cuja presença e essência amamos? Construir Biótopos de Cura é o primeiro passo na criação desse mundo, começando a uma pequena escala. Portanto, a economia interna de um Biótopo de Cura será caracterizada por uma ideia de propriedade comunitária (i.e. a abolição da propriedade privada). Isto refere-se, primeiramente, a todas as posses comunitárias, especialmente na apreciação, cuidado e manutenção do terreno, edifícios e infra-estrutura. Gradualmente, começará também a referir-se a todos os serviços: que os participantes fornecerão sem necessidade de pagamento, pois a entidade comunitária assegura as necessidades de todos os seus membros.

Uma breve inserção histórica: desde o início do nosso projecto temos sido quase totalmente financiados mediante donativos e ofertas, e estamos muito gratos por isso. Chamamos a este princípio económico “economia espiritual” porque neste contexto o dinheiro flui ao longo de determinadas linhas espirituais. Obviamente, enveredar por esta via económica requer um nível considerável de confiança e de fé. Praticámos isto no nosso projecto desde o início e testemunhámos diversos milagres, da mesma forma que criámos milagres para os outros também.

4. A Transição: A Humanização do Dinheiro

Vivemos, por um lado, em tempos de guerra e capitalismo e, por outro lado, temos a visão de uma economia de partilha numa nova cultura de paz. Mas como caminhar daqui até lá? Nestes tempos de transição, o conceito de “humanização do dinheiro” é essencial. Enquanto houver dinheiro, teremos que fazer os possíveis para que ele seja investido numa nova cultura de paz.

Fica aqui uma interessante declaração de Pia Gyger, co-fundador do Instituto Suíço Lassalle: “A humanidade tem que aprender a praticar a paz com a mesma dedicação com que pratica a guerra. A menos que invistamos a mesma quantidade de recursos financeiros na investigação e educação de paz, esta permanecerá uma ilusão. Assim que investirmos o nosso poder mental, espiritual e material para aprender sobre paz, a “roda histórica da guerra” começará a girar na direcção oposta.”

Para substanciar esta citação com números, quero adicionar dois exemplos de preços na indústria do armamento:

  1. Um tanque Leopard-2 da fábrica de armas Alemã Krauss-Maffei custa cerca de 10 milhões de euros. Dependendo do país, a mesma quantia de dinheiro poderia financiar alguns Biótopos de Cura, permitindo que vários milhares de pessoas vivessem e investigassem no contexto da investigação para a paz.
  2. Um bombardeiro furtivo custa 1,5 biliões de dólares, uma soma que financiaria cerca de mil Biótopos de Cura para várias centenas de milhares de pessoas em todo o mundo.

Se o dinheiro que é agora investido na indústria do armamento fosse investido na criação de uma cultura de paz, a configuração dos moldes de habitação no planeta Terra ganharia rapidamente uma forma muito diferente.

Assumimos que a nova cultura de paz irá desenvolver-se a partir de um pequeno número de modelos (Biótopos de Cura) em diferentes regiões do planeta Terra. Biótopos de Cura são lugares onde as características básicas de uma nova cultura de paz são investigadas e desenvolvidas. Aí, as pessoas podem aprender como outro tipo de vida é possível. Assim que estes modelos entrarem em funcionamento, eles actuam como um força de cristalização para o desenvolvimento de outros modelos e, em última análise, para a criação de uma cultura de paz completamente nova.

Estes modelos serão em larga medida autónomos, ao nível ecológico e social. É agora imperativo criar condições para uma autonomia económica, de forma largamente abrangente, para encontrar o rumo correcto na criação de um novo modelo de vida. Em tempos de transição, as invenções económicas, tal como a moeda regional e “anéis de troca” (sistema de trocas locais), que asseguram que o dinheiro permanece na região, são inovadoras, assim como são as redes regionais para o fornecimento autónomo de água, energia e alimentos. Este processo irá fortalecer a regionalização, aumentar a entre-ajuda das vizinhanças e levar, no longo prazo, a uma independência dos mercados globais.

Autonomia (auto-suficiência) não é para ser (mal)interpretada como um “regresso às origens”, mas antes, como um aproveitamento total da riqueza regional, uma integração de tecnologias sustentáveis e uma construção de habitações harmonizadas com a inteligência ambiental e ecológica.

Na área do saber integrado, vale a pena mencionar o advento das tecnologias “open-source”: uma rede global de especialistas que trabalham em conjunto em complexos desenvolvimentos, sem remuneração. Isto poderá levar, um dia, a ultrapassar o conceito de direitos de patente. O saber tecnológico deve ser disponibilizado à generalidade das pessoas; esta é a única maneira da humanidade poder crescer em paz e cooperação.

A criação destas redes sociais e infra-estruturas precisa de financiamento. Cada investimento rumo a este objectivo é um investimento directo num futuro de biótopos independentes mas abertos. Enquanto existir dinheiro e uma economia regulada, a única função positiva do dinheiro é o investimento no sentido da construção de estruturas regionais que voltem a permitir que as pessoas vivam uma vida com sentido, ligadas com a natureza. “Humanizar o dinheiro” significa que o dinheiro é investido no desenvolvimento destas redes regionais e dos seus modelos de habitação correspondentes (Centros de Pesquisa para a Paz) que divulguem esta ideia globalmente, de forma viral.

Com “investimento”, não nos referimos a uma aplicação do dinheiro que aguarda retorno financeiro ao fim de algum tempo. O retorno reside na criação de uma nova qualidade de vida e de uma nova cultura. Quando os projectos de paz são bem sucedidos, a inteligência de criação de paz e as forças de cura da Terra multiplicar-se-ão, bem como a consciência sobre a necessidade de uma cultura verdadeiramente não-violenta.

E as possibilidades multiplicar-se-ão para que cada vez mais pessoas possam ter uma vida com mais significado, cura e realização. Por isso, um “investimento para a paz” não oferece retorno financeiro, mas um retorno que serve a paz e a criação de novas estruturas de vida. As gerações futuras ficarão gratas por isso.

Juntamente com Sabine Lichtenfels, em 2008, fundei “The Grace Foundation” (Fundação Grace), na Suíça. Com a ajuda desta fundação angariámos dinheiro em diversos países, para o financiamento da construção de modelos de investigação para a paz a nível mundial. Até agora, temos financiado maioritariamente a criação do Centro de Pesquisa para a Paz de Tamera, em Portugal, a Comunidade de Paz San José de Apartadó, na Colômbia, a construção do seu novo centro em Mulatos, o desenvolvimento do “Campus Global” e os seus espaços de treino e educação para o trabalho de paz interior e exterior, e as peregrinações “Grace” anuais, com as quais apoiamos iniciativas de paz e cooperação em Israel-Palestina e na Colômbia.

Mais uma vez: enquanto o sistema financeiro actual se mantiver, um dos objectivos de todas as iniciativas de paz é assegurar que a maior quantidade possível de dinheiro é retirado do sistema de violência (incluindo os sistemas bancários), canalizando-o para a criação de modelos de paz.

5. Sumário

  1. Hoje, toda a humanidade vive num sistema global bélico, capitalista, e a economia está dependente da existência de guerra. Na nossa visão de uma cultura de paz futura, temos de pensar sobre o significado que é suposto atribuir ao dinheiro.
  2. Quando observamos a natureza, descobrimos uma economia global de trocas que serve cada elemento de acordo com as suas necessidades, através de uma rede de ciclos abertos incrivelmente complexa. A economia de uma nova cultura de paz será, portanto, uma economia de trocas.
  3. O nosso medo e desconfiança, que têm prevenido a criação de tal sistema, nasceram fruto das nossas primeiras experiências no reino do amor. Estas experiências foram transferidas para o sistema do dinheiro. Da mesma forma que precisamos de aprender a dar e confiar na área económica, podemos e devemos reaprendê-lo também na área do amor.
  4. Se o dinheiro que é investido actualmente na indústria do armamento fosse direccionado para o desenvolvimento de uma cultura de paz, a organização do nosso planeta transfigurar-se-ia muito rapidamente. A transição de uma sociedade de guerra para uma cultura de paz, apenas será bem sucedida se investirmos dinheiro suficiente no desenvolvimento de modelos de paz que funcionem como “impulsos cristalizadores” rumo a um campo global de paz. Denominamos este processo de “Humanização do Dinheiro”.

6. Palavras Finais

Resumindo, quero repetir os pontos essenciais deste texto: as noções de economia que criamos para nós próprios são caracterizadas pelas nossas experiências no amor.

“Quando a expansão do amor começou a ser reprimida, o amor deixou de poder crescer. Consequentemente, no âmago do ser humano, desenvolveu-se um pensamento de vingança e destruição contra tudo o que existe. É por isso que o nosso ambiente está tão destruído.

Assim que o amor não pôde mais crescer e dar de si próprio, o ser humano começou a rejeitar a natureza e a sua evolução, surgindo assim a ideia de propriedade privada – não apenas relativamente à carteira de cada um, mas também relativamente a todas as dádivas (recursos) do planeta Terra. É isto que experienciamos agora como a globalização da propriedade privada.

Quando o amor deixou de poder crescer, as pessoas começaram a calcular e a pensar: como poderei obter o melhor de tudo para mim próprio agora, como poderei salvaguardar-me? Como posso ajustar a minha felicidade pessoal àquilo que consigo obter para mim próprio? Foi aí que as pessoas se começaram a temer e a dominar umas às outras.

Contudo, assim que o amor puder crescer outra vez, e assim que se comece a desenvolver uma cultura de paz capaz de ajudar a restaurar a nossa confiança original na criação e no amor pelos seres humanos, deixaremos de calcular; dedicar-nos-emos totalmente ao desenvolvimento e desabrochar de outros lugares de confiança neste planeta. Faremos isto em benefício próprio e em benefício daqueles que amamos.”

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