Pesquisa com os Javalis

Desde 2011 que a população de javalis em Tamera tem aumentado, procurando refúgio dos caçadores que se encontram nas imediações do nosso terreno. Aqui, os javalis encontram uma zona de não-caça abundante em água e alimento. Desde então, temos vindo a investigar sobre o potencial de comunicação com estes seres. A nossa pesquisa espiritual com os javalis integra-se no departamento Terra Deva — o departamento de ecologia espiritual, mentorado por Sabine Lichtenfels, co-fundadora de Tamera. Actualmente, Heike Kessler, Katja Mueller e outras pessoas em colaboração com o departamento de ecologia dão continuidade a este trabalho, que inclui a criação de espaços para percepção e comunicação javalis e seres humanos, inspirado pelo trabalho de Eike Braunroth.

Visão

Quando os javalis começaram a visitar o terreno de Tamera, destruindo parte das nossas hortas comunitárias, precisámos de descobrir como proteger as nossas colheitas de forma não violenta. Instalamos vedações eléctricas? Utilizamos veneno? Fomos confrontados internamente com todos os nossos medos relativamente a estes seres — os medos despertados pelos animais selvagens, comuns a tantas pessoas nas sociedades modernas. Ao mesmo tempo, apercebemo-nos dos impactos destas reacções tão comuns aos animais: os javalis acabam por ser envenenados, afastados de fontes de alimento e de água, e caçados pela sua carne. Nesse sentido, decidimos percorrer um caminho diferente. Inspirados pela experiência de Eike Braunroth e pelo nosso trabalho com outros animais e plantas, no contexto da visão de um Biótopo de Cura, iniciámos a nossa investigação.

O primeiro passo para colaborar e criar confiança, foi cultivar uma certa curiosidade por estes “parceiros de cooperação”, neste caso, os javalis. Fomos também levados a transformar a nossa raiva, que vinha ao de cima sempre que as nossas hortas eram aparentemente destruídas. Ao longo do tempo, a nossa atitude alterou-se —do medo e da raiva, para a curiosidade. Criámos acordos entre a nossa comunidade e os javalis:

“Estamos contentes por estarem connosco, vamos zelar para que se mantenham seguros no nosso terreno, vamos informar-vos sempre que realizarmos alterações no terreno que possam ter impacto para vocês. Vamos permanecer em contacto convosco através da meditação e da oração, em lugares designados para este propósito, e vamos assegurar-nos que o nosso terreno vos proporciona uma abundância de água e alimento.”

Este acordo foi escrito e colocado numa parte do terreno de Tamera que se dedica especificamente a esta investigação. (Para esclarecer, não estamos a sugerir que achamos que os javalis conseguem ler — a escrita é apenas uma forma, entre muitas, de focar a nossa consciência em determinada informação que queremos transmitir, estando abertos às respostas que podem surgir.)

Pesquisa

A nossa pesquisa focou-se nas seguintes questões:

  • Como será a coexistência entre seres humanos e javalis, quando já não somos guiados pelo medo, ou pelo hábito de excluir outros seres do nosso modo de vida? Como mudará a relação entre seres humanos e javalis quando reconhecermos a beleza do espírito dos javalis e o papel ecológico que eles cumprem?
  • Como comunicar eficazmente e estabelecer limites sem recorrer à força?
  • Será possível caçar um javali pela sua carne, de forma consciente, baseada no consentimento, e alinhada com os valores da não-violência, tal como é praticado em algumas culturas indígenas?
  • Será que a população de javalis aumenta desproporcionalmente aos recursos disponíveis, quando não são caçados? Ou será que a sua população se auto-regula?
  • Como viver em proximidade com estes animais selvagens sem os domesticar?
  • Como desenvolver e construir as nossas infraestruturas comunitárias, tendo em conta a vida selvagem que nos rodeia?
  • O que podemos aprender com os javalis? O que é que nos podem ensinar, relativamente à redescoberta da nossa própria natureza selvagem?

Abordagens à Pesquisa

  • Quando os javalis visitam ou afectam uma determinada área, perguntamos: por que motivo visitaram aquele lugar? Procuramos compreender a sincronicidade entre o comportamento dos javalis e os temas que estão activos no nosso contexto social, fazendo alterações em conformidade com as nossas observações. Frequentemente, os javalis removem plantas que têm dificuldade em florir, ou escavam a terra que é irrigada em demasia. Sentimos que através das suas acções, recebemos orientação sobre como cuidar do nosso terreno. Procuramos ficar atualizados quanto à situação global dos javalis, questionando se existem ligações com as suas acções ao nível local.
  • De seis em seis meses revemos os nossos acordos de cooperação com os javalis. A nossa equipa de pesquisa desloca-se a um lugar de oração, no nosso terreno, dedicado especialmente aos javalis, oferecendo canções, flores ou ervas medicinais, como gesto de gratidão e como símbolo do nosso compromisso com os acordos que celebramos com eles.
  • Cartas: escrevemos cartas para explicitar os contornos específicos de colaboração que pretendemos com os javalis, e para solicitar determinado apoio nas nossas orações e acções (por exemplo, por vezes pedimos que escavem em determinado lugar, ou que não destruam árvores jovens, ou que comam apenas 30% das nossas colheitas).
  • Tamera encontra-se numa zona de não-caça, mas os terrenos vizinhos são zonas de caça e é importante para nós manter contacto com os caçadores. O objectivo é desenvolver um entendimento mútuo, sabendo que a caça é parte da cultura local, e contribuindo para que os caçadores conheçam também a nossa pesquisa e a nossa tentativa de manter uma relação não-violenta com os javalis. É também importante sabermos quando as caçadas são realizadas perto do nosso terreno, de forma a estarmos preparados para ajudar javalis feridos que procurem refúgio em Tamera.

Aprendizagens Principais

Na nossa pesquisa, descobrimos:

  • A população de javalis ajusta-se ao seu habitat e estabelece um equilíbrio natural quando os javalis se encontram em lugares seguros onde não são caçados ou temidos.
  • Vemos os javalis como cuidadores da terra, uma vez que estes frequentemente visitam lugares que precisam de cuidado a este nível.
  • Aprendemos com os javalis sobre a vitalidade indomável da vida e da natureza selvagem do nosso ser. Os javalis incorporam a força, a coragem e a fertilidade.
  • Ao nível espiritual, sentimos que os javalis nos chamam à atenção para temas de cura que frequentemente tentamos evitar ou reprimir. Muitas vezes acabam por apoiar diferentes grupos ou indivíduos, encorajando-os a aprofundar determinadas questões de vida. De acordo com a nossa experiência, assim que começamos a trabalhar numa profundidade relevante, ao nível interior e exterior, os javalis param de provocar danos e participam numa coexistência equilibrada.
  • À medida que realizamos um trabalho interior relacionado com os javalis, compreendemos o quanto nos distanciámos da nossa própria natureza selvagem. Descobrimos o quão dormentes estamos relativamente ao sofrimento de outros seres vivos e a nossa alienação relativamente à grande família da vida. Quando começamos a descortinar como funciona a opressão sistémica e quando testemunhamos a dor que ela perpetua, somos transformados por este entendimento, e esta transformação permite-nos agir de forma verdadeira e autêntica por uma cultura que valoriza a vida.

Acreditamos que a nossa pesquisa com os javalis pode exemplificar de que forma é possível colaborar com todas as formas de vida que nos rodeiam. Este trabalho relembra-nos constantemente de que toda a vida se encontra interligada e de que todas as nossas acções surtem impacto noutros seres vivos. Estamos gratos por estar na presença dos javalis, e pela oportunidade que temos para descobrir, com a sua ajuda, novas formas de coexistência assentes na paz e no apoio mútuo.

Se pretende aprofundar estes temas, deixamos aqui alguns dos recursos que nos inspiraram:

www.tamera.org